No dia 19/07 a Cia. Truks apresentou o espetáculo Big Bang dentro da Mostra de Coletivos Teatrais do Sesc-Santos. Após a apresentação o Blog conversou com Verônica Gerchman e Henrique Sitchin e falam entre outras coisas em como já foram duramente criticados por divulgarem seu trabalho em programas de televisão.

Teatro do Pé – Vocês fazem teatro de bonecos ou de animação?

Verônica Gewrchman – É uma boa pergunta! O termo mais adequado pra esse universo é o termo teatro de animação. Pois animação vem da raiz da palavra Anima que significa dar vida a qualquer coisa que seja inanimada. Então quando a gente fala teatro de bonecos a gente fecha numa idéia, por que é uma linguagem dentro do teatro de animação. Por exemplo, aqui naquela cena dos sacos, do homem moderno, você está animando sacos plásticos e dando toda uma conotação com isso. Então o mais correto, mais adequado, o termo mais abrangente é o teatro de animação. Apesar de todo o mundo conhecer como teatro de bonecos.

Pé – Então o teatro de bonecos está inserido dentro do universo de animação?

Verônica – É! Uma das linguagens, por exemplo, você tem teatro de bonecos, você tem sombras, tem o teatro negro que é aquele todo feito com luz negra. São várias linguagens dentro do próprio teatro de animação.

Henrique Sitchin – Por que se formos dar nomes, teremos diversas nomenclaturas, né? Teatro de objeto, de manipulação direta, de bonecos de luvas, de sombras, e etc. Então a mais completa é teatro de animação.

Pé – Vocês existem desde 1990. E são 17 anos atuando no cenário do teatro de animação. Como era esse teatro há 17 anos atrás? E como ele está hoje? Em todas as suas perspectivas.

Verônica – Eu acho que teve um ganho muito grande! O teatro, conhecido mais como teatro de bonecos, era muito mal visto há alguns anos atrás. A gente dizia que era a mosquinha do coco do cavalo do bandido. Porque era assim, o pior do teatro infantil, que também é uma outra coisa equivocada, porque existem, como esse trabalho, que é voltado para uma turma mais velha. Adolescentes e adultos! Tem essa imagem de que o teatro de animação é sempre voltado pra criança, e há alguns anos era considerado o pior do teatro infantil. Eu acho que houve um crescimento muito grande de produções no país, que foram fundamentais para elevar o nível do trabalho no teatro de animação. E aí eu acho que a Truks contribuiu sim, por que é um grupo que já trabalha muito sério, há muito tempo com isso. E também festivais internacionais que vieram para o Brasil voltados para essa linguagem, e que fizeram um papel muito importante de divulgação. Inclusive o Sesc foi um dos grandes incentivadores, em São Paulo, no Sesc Ipiranga e Pompéia, que sediaram por um tempo esse festival internacional, e fomentaram essa linguagem. Porque você vai criando também o hábito, e quando você faz um internacional, você junta as produções do Brasil, do país, e as produções de fora. Então, você estimula! Eu acho que faz com que os grupos se trabalhem melhor e o público também crie um outro olhar. Então assim, nesses últimos, eu diria que de 10 a 15 anos pra cá, houve uma grande diferença. Houve um crescimento do teatro de animação. E então começou a acontecer o contrário, da mosca do coco do cavalo do bandido, passou a ser uma coisa que chamava muita atenção, a ponto de produções que não utilizavam essa linguagem, quererem até colocar um bonequinho para dizer que era teatro de animação. Por que o teatro de animação passou a significar uma qualidade na produção. Então houve um longo processo de melhora e de crescimento nesse sentido.

Henrique – É! Eu acho que o cenário do teatro, como um todo, era o de fazer teatro. Então você tinha o teatro de pesquisa, que era valorizado pela classe artística mais refinada, o teatro comercial, e o teatro infantil que era pouco valorizado. O teatro de bonecos era pior do que o teatro infantil, pois era o teatro de festa de aniversário. Era o famoso teatrinho! Isso no Brasil! Enquanto lá fora você tinha grandes produções do teatro de animação para adultos. Então de alguns anos pra cá, isso foi crescendo, foi se modificando, até pela própria procura do público. E a qualidade das produções é muito melhor, porque se faz teatro de bonecos em grupos, e quando se trabalho em grupo você tem um resultado muito melhor. Tanto é que se você pega o cenário do teatro brasileiro, você vê que os grupos de teatro são mais resistentes.

Verônica – São mais fortes por que começam a desenvolver uma linguagem, uma fala, um jeito, né?

Pé – Vocês acham que essa linguagem é mais compatível com outras mídias mais costumeiras? Dialoga de forma mais eficaz com Internet e com tudo o que é visual? Até mais do que o teatro convencional?

Verônica – É! Tem uma fala muito forte com a imagem.

Henrique – Até mesmo por que é teatro de animação, não é? Se você pegar desenho animado, o que o desenho animado tem de diferente do filme, é justamente isso… Você pega um desenho do Pica-Pau, você vê que ele cai, se espatifa no chão. E a gente estuda muito desenho animado. É muito isso, você pode com o boneco arrancar as pernas, o braço, a cabeça e nada vai acontecer com ele… O que você não pode fazer com um ator, você faz com ele.

– No meio teatral, principalmente nos trabalhos de grupo de teatro, sem ser de animação, eles às vezes se auto-restringem, principalmente por causo de filosofia de trabalho… E eu vejo que vocês fazem teatro, recebem fomento, fazem propaganda, vocês não tem essa… Ou seja, vocês fazem trabalhos artísticos e também comerciais. Há uma flexibilidade! Como vocês encaram isso?

Verônica
– Olha. Muita gente até já nos criticou. Acho que tem uma coisa até meio preconceituosa. Acho que quando agente faz a nossa criação, não entra a questão comercial nunca. A não ser como agente fez agora a propaganda dos Jogos Pan Americanos 2007. A gente foi contratado para executar uma coisa. É muito claro que aquele trabalho é comercial! Mas ai também tem outro ponto, que também é uma discussão. Uma companhia para ela se manter durante 17 anos, ela tem que trabalhar muito, num país como o nosso. Então, por exemplo, durante a criação agente tem uma relação muito sagrada com o trabalho. É a nossa linguagem, aquilo que agente quer falar, ponto. Depois que aquilo vira um produto cultural que tem que ser vendido, ele vai ser vendido. E tem uma relação muito clara do que é um produto a ser vendido e a ser consumido. Então assim, é uma coisa que às vezes as pessoas ficam um pouco chocadas quando agente fala isso. Eu acho que ainda tem inconscientemente aquele pensamento: O artista puro é aquele que morre de fome, pois senão ele é um vendido porque foi pra Globo. Quer dizer, não afirmam isso, mas no fundo no fundo, assim, se ele ganha dinheiro todo o mundo começa a dizer que esse cara é comercial, é vendido. Se vendeu! E eu acho que é um pensamento preconceituoso, por que é digno que o artista consiga pagar suas contas, que possa comprar o livro que ele quiser, que possa assistir quantas peças quiser, que possa viajar e estudar o que quiser, e até mesmo ter um certo grau de conforto, por que não? Então eu acho que ainda tem muito esse preconceito. E a Truks sabe muito claramente. A gente vai muito à TV quando estamos em cartaz com peça. E quando a gente começou a ir para a televisão para divulgar, a gente foi super malhado, por que agente ia em programa da Xuxa, no Jô, Faustão e etc… Só que a gente fazia três sessões lotadas em São Paulo, seguidas, no Centro Cultural São Paulo. Inclusive dava rebarba para os grupos que estavam do lado! E a gente fala, isso é assumido! É no intuito de pegar o público na casa dele. É usar esse meio, de forma muito consciente, para levar o público ao teatro. Para quem, além de agente poder levar a arte para as pessoas, também para que essas pessoas que ralam pra caramba no teatro possam se sustentar, e possam viver dignamente desse trabalho.

Pé – Eu acho que existe um dinamismo que tem que ser percebido

Verônica – A gente não percebe mas a nossa classe, a classe teatral, é muito preconceituosa.

– Com certeza.

Verônica – Muito. É preconceituosa com teatro infantil, ah, o ator só é sério se faz um adulto. Quem disse? Criança é difícil pra caramba pra segurar na cadeira. É um publico difícil pra caramba.

Henrique
– E detalhe que a ente, por exemplo, nossos espetáculos infantis são feitos pensando no adulto.

Verônica – A gente pensa pra toda a família, na verdade.

Henrique – Quando a gente monta um espetáculo infantil a gente pensa no adulto. Porque assim, um pai não leva uma criança pra ver um espetáculo, se ele não tiver bem, se ele não tiver gostando do espetáculo, não é um bom espetáculo.

Pé – Espetáculo pra criança é isso, né? Tem que ter sempre o lugar o duplo, a criança vai sentar do lado do adulto.

Henrique
– Eu acho que não tem esse termo: “Teatro infantil”. Acho que seria teatro para criança. Se você faz um espetáculo de teatro aonde você atinge tanto o adulto e que a criança pode assistir que ela vai entender, né? Agora se você tem alguma coisa no teu espetáculo que não é adequado para criança então você coloca ali a faixa etária. Isso eu acho perfeito.

Verônica
– Por exemplo, nesse trabalho a gente teve essa preocupação, tem coisas que são mais, … a dramaturgia ela é,… a gente trabalha com muita imagem disparadora, pra criança isso é um pouco complicado acompanhar. A gente sente que ali no meio são imagens poéticas que pra eles é difícil entender porque a dramaturgia não ta pensada pra essa faixa etária.

Pé – Vocês trabalham com diversas técnicas de manipulação, e vocês destacam o BUNRAKU. Qual a origem da técnica e em que ela consiste?

Henrique – A gente trabalha inspirado nessa técnica.

Verônica – A gente fala que é inspirado porque seria uma heresia dizer que é o Bunraku tradicional, porque a estrutura do Bunraku tradicional são grandes epopéias que eles contam, eles têm uma relação religiosa com o trabalho praticamente, como todo o oriental. Os aprendizes entram aos 13 anos de idade, começam observando, passa um tempão, depois vão para os pé, passa um tempão, vão pra cabeça, passa um tempão, pra depois passar pra mão, passa um tempão, aí até virar mestre, então assim, não é essa relação aqui, óbvio. Fora que tem o contador de história e o músico. Então tem todo um ritual que gente não faz. Ele é inspirado porque é uma manipulação de 3 pessoas, também muito conhecida como manipulação direta, porque você segura diretamente no boneco.

– Tem uns que mechem os olhos.

Verônica – É, tem umas variações dependendo da posição, por exemplo, os japoneses eles controlam a cabeça, a empunhadura não é pra trás, o mestre enfia a mão dentro, inclusive tem um mecanismo de olho, o diabo sai até chifre, tem umas figuras diabólicas que sai até chifre.

Henrique – Eles não trabalham em mesa, ele trabalham no ar.

Verônica – E o manipulador de mãos, ele manipula uma mão só, e o mestre, ele manipula a cabeça e a outra mão, entendeu? Aqui não. Quem controla a cabeça, controla cabeça e tronco.

Henrique
– O mestre usa um tamanco altíssimo. Ele é bem mais alto que os outros.

Verônica – Ele usa um quimono super colorido e a cara neutra total, e os outros de preto com um capuz preto.

Pé – E lá tem essa abertura de manipulador ser personagem?

Verônica – Contracenar? Não. No tradicional não. E na verdade, esse ponto é um ponto polêmico na Truks. Tem gente que gosta muito e tem gente que não gosta. Porque a gente no começo pensou em fazer uma coisa muito neutra, só que a gente chamava muito mais atenção. E isso nasceu naturalmente no nosso primeiro espetáculo.

Pé – Como é que vocês constroem o espetáculo? Em que momento vocês definem a temática? Como é que vocês trabalham e quanto tempo dura?

Verônica – Geralmente alguma imagem que dispara esses espetáculos. O Henrique, que é o nosso diretor, geralmente faz todos os roteiros. Só que o roteiro passa por duas etapas. Tem às vezes uma explosão de idéias, e ele organiza, ou às vezes ele vem com uma linha condutora e a gente interfere. Porque também tem processos, num primeiro momento de um roteiro a gente sempre parte do roteiro, pra construção dos bonecos, pra tudo, a gente nunca fez um boneco incrível e inventou uma história pra ele.

Pé – E os processo duram assim em média quanto tempo?

Verônica – Olha, depende da necessidade. O primeiro espetáculo da companhia quando a gente não dominava bem a técnica, tava aprendendo tudo, levou um ano, um ano e pouquinho pra ser feito. Hoje a gente consegue fazer em 5, 6 meses.

Henrique – É, mas é relativo, porque assim, se a gente for contar o tempo exato. Acontece muito assim, por exemplo a gente está trabalhando e o Henrique está vendo o espetáculo, tal, de repente ele chega um dia e fala assim: gente, olha, pensei numa historia assim, entendeu? E ele começa a formatar isso, e um ano depois ele chega e fala assim: eu tenho um roteiro mais ou menos, entendeu? Ele não tem o roteiro pronto, e gente começa a trabalhar. Então se a gente for pensar da idéia, demora muito tempo. Agora depois que a idéia está no papel, depois que a gente tem a parte de construção, de produção mesmo, aí é super rápido.

Verônica – Agora, pra gente é fundamental, assim, acho que todas as montagens que a gente fez na companhia, sempre foi em cima do tema algo que tocasse a gente. Essa coisa que eu acho que é o barato de trabalhar em grupo.




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4 Comentários para “Entrevista com a Cia. Truks – Teatro de Bonecos”

  1. 1 luis felipe

    boa tarde!!sou artista plàstico,tenho a maior admiraçâo pelos “bonequeiros”os bonecos me fascinam e sempre me fizeram rir muito.por isso tenho interesse de participar de oficinas onde eu possa aprender sobre essa arte,mas não tenho informação onde essas oficinas acontecem.se vocês puderem me indicar algumas ficarei agradecido!desde já agradeço!!atenciosamente .Luis Felipe

  2. 2 Jully

    Super legal e muito interessante essa entrevista!!
    Adoreeei!!
    Xau… ;)

  3. 3 Paula Mariana Paulo Silva

    Assisti 2 teatros da Cia Truks (O Gigante e Cidade Azul) e acompanho o trabalho pela internet.
    Acho a Cia maravilhosa, adoro a característica do grupo de atuar junto com os bonecos, é fascinante ver no rosto dos manipuladores emoção, alegria, dor, surpresa, piedade, susto…
    Conheci pessoalmente os atores no SESI de Birigui e me encantei ainda mais com o trabalho da equipe.
    Sinto-me entristecida em saber que no meio teatral exista este preconceito quanto a se realizar um trabalho pra TV e de se receber por um trabalho encomendado, acredito que o artista tem sim que ter condições de sobreviver dignamente de sua Arte, nada mais justo, é um trabalho honesto, digno e maravilhoso; fazer as pessoas sonharem acordadas, voltarem a ser crianças, politizar, conscientizar…

    Parabéns ao grupo e felicidades a todos…

  4. 4 GRUPO CON.TATO

    Olá! Passa no nosso blog pra conhecer o nosso grupo de teatro:

    http://contatoteatro.blogspot.com

    Abraços!!