A Nona Jornada

“Se o poeta é um fingidor, o dramaturgo é um mitômano”

Autor desconhecido

Em 29 de janeiro de 2001, eu disputei uma partida antológica de futebol de praia. Nem eu sabia que seria minha última partida de futebol de praia até hoje em dia, nem eu sabia que essa partida seria responsável por algo tão significante na minha vida.

No meu time estavam Macaco, Ed, Japa, João e Aranha. Eu, Teleco Teco, Pex e Cazuza (capitão), Dedé e Nego (o craque do time). No outro lado não lembro de quase ninguém, só do Fred. O Fred era considerado o melhor jogador de futebol de praia a época. Não sei como chegaram a essa conclusão, mas era o que se falava. Foi um jogasso. Terminou o 1º tempo 4 x 1 para eles e acabou o jogo 6 x 5 para nós.

O lance mais importante para essa história aconteceu no começo do 2º tempo, quando eu tirei uma bomba do Fred em cima da linha. Ele desceu pela direita, fintou o Aranha, chutou cruzado, a bola passou reto pelo Macaco, eu acompanhava o lance desde do meio campo, de repente eu dei um salto voadora e tirei a bola com a unha, sem exageros, com a unha do dedão esquerdo, tanto não é exagero que a unha tirou a bola e a bola tirou a unha. Esse lance gerou duas coisas, um contra-ataque onde acabou saindo nosso 2º gol na partida e o começo da nossa reação e um grito de dor de minha parte que até vendedor de algodão-doce tirou a cabeça de Tele Tubies.

Enfim, ganhamos o jogo, comemoramos na casa do Pex com banho de piscina, fandangos e coca-cola. Foi uma tarde inesquecí­vel, ainda mais se eu lembrar a minha unha pendurada, que a tia Helena, mãe do Pex, tirou com uma pinça, como doeu. Minha unha só foi crescer totalmente duas semanas depois, com uma mancha de micose que me acompanha até hoje. Já passei pomada, já cortei a unha, já tomei chá verde, não adianta, a mancha ficou para sempre por enquanto, e o meu dedão que já parecia uma tela de palm top de tão grande ganhou uma micose como arremate final. Deus criou o mundo em sete dias e o meu pé acho que foi a primeira coisa que ele fez, de tão feio e amador que ele é. Tudo por causa do salto voadora, para tirar a bola do Fred, ganhei o jogo, ganhei uma micose, não uma simples micose, uma micose que significa raça, recuperação, sorte e dor, muita dor.

Vamos ao que interessa. No dia 06 de abril desse ano eu iniciei meus trabalhos no Teatro do Pé. Isso mesmo, em plena Sexta-Feira Santa, vá gostar de teatro assim lá em Atenas. Mas enfim depois do que eu passei para ser aceito pelo grupo, não iria questionar.

A minha relação com o Pé começou em setembro de 2005, quando o diretor artí­stico Matheus Facconti solicitou que eu fosse Ghost Writer dele. Para quem não sabe Ghost Writer é o cara que escreve um texto para outro cara, que esse outro cara diz que é dele. Isso que eu estou fazendo é anti-ético, mas eu não me importo com isso, e quem se importa? Escrevi, e agora conto para o mundo todo. Ele ficou me devendo quatro parcelas mesmo.

Eu sou o autor do discurso de premiação do diretor Matheus Faconti para o Festa 2005, pelo espetáculo a “Argumas de Patativa”. (no fim desse texto eu reproduzi o texto que escrevi para Faconti na í­ntegra). Desde então eu e Faconti mantemos encontros secretos, pois ambos somos maçons dissidentes, para tomar decisões e traçar estratégias quanto aos rumos da atividade teatral como um todo na região da Costa da Mata Atlântica. Mas depois dessa minha confissão acho que ele não vai querer mais esses encontros.

Algumas coisas impediam que eu entrasse no Pé, mas as duas mais importantes são sérias divergências estéticas que acontecem entre mim e Facontti. Eu gosto de Kill Bill, de Tarantino e ele não gosta e ele gosta do Jack Bauer do seriado 24 Horas e eu detesto. Após passarmos dois anos discutindo somente isso em nossos encontros secretos ele decidiu me convidar para o Teatro do Pé.

A Seleção

Agora todos os fãs e interessados no Teatro do Pé irão saber como se faz para entra no grupo.

Cheguei ao primeiro dia de seleção e fui apresentado aos outros integrantes, que eu conhecia faz tempo. O Danilo nem estendeu a mão, a íris me deu um sorriso leve, a Juliana fez um Humpft, o Matheus Lopes nem foi, e o resto do pessoal me disseram que eu só iria conhecer se eu passasse pela seleção.

1º Jornada – Entrevista com o grupo.

Eu fui sabatinado por assuntos gerais e diversos, desde a influência do Ronnie Von no movimento tropicalista até as minhas considerações pessoais sobre o espetáculo “Argumas de Patativa”. Essa jornada foi beleza, passei com o pé nas costas.

2º Jornada – Leitura.

Foram me entregues dezesseis livros da linha de pesquisa atual do grupo. Dario Fo (tema do meu próximo texto), cultura popular e algumas outras coisas. Com um prazo de três dias. Aí­ o bicho já começou a pegar, só consegui ler 12 e na prova praticamente todas as perguntas eram sobre os quatro que eu não li. Mas bola para frente.Eu desconfio que o Danilo dedurou alguma coisa, pois um dia antes tomamos um porre ele sabia os que eu não tinha lido.

3º Jornada – Contar uma história.

Eles me deram cinco palavras-chaves para eu contar uma história; futebol, micose, tropicalista, cultura e mitônamo. Não consegui sair da gagueira inicial. Confesso que fiquei muito nervoso, pois esse dia a íris tinha ido de sandália e os dedos do pé dela eram tão cumpridos e esquisitos que eu comecei a desconfiar do porque do nome do grupo. Não passei nessa jornada também.

4º Jornada – Fazer um boneco em quinze minutos.

Eles não gostaram do boneco que eu fiz. Foi o primeiro dia que o Mateus Lopes apareceu e desfez a dúvida da Juliana que tinha desconfiado que eu e o Mateus Lopes éramos a mesma pessoa.

5º Jornada – Tocar rabeca, pandeiro,
berrante, chocalho, zabumba e pianinho de assoprar.

As coisas estavam ficando realmente complicadas. Eu já sentia um desânimo no olhar deles. Eu via que eles gostavam de mim. Mas eu não correspondia a expectativa deles.

6º Jornada – Falar Cearês

Eu já tava começando a entregar os pontos, era uma coisa mais difí­cil que a outra. Eu simplesmente não consegui.

7º Jornada – Organizar o espaço

Essa tarefa eu concluí­ com muita proeza, arrumei tudo direitinho, ficou lindo Mas depois descobrir que essa tarefa não tinha peso algum, era só um trote.

8º Jornada – Escrever um texto.

Já estávamos no 45º dia de testes. Eu me encontrava tão desolado, mas tão desolado que eu simplesmente não consegui escrever nada.

O clima pesou, estávamos todos entristecidos. Mas de repente surge o Olavo, o dramaturgo, esbaforido e com pressa.

– Pessoal desculpe interromper mas eu passei aqui só para a gente fazer a ciranda.

– Ciranda? – Perguntei eu.

– Sim nós temos uma ciranda de confraternização, mas só faz quem é do grupo e você… – Danilo respondeu cabisbaixo, até ser interrompido por uma voz que eu não tinha ouvido antes.

– Deixe ele fazer a Ciranda – era um ancião que surgiu detrás das cortinas e que depois fiquei sabendo que era o Cabo Anselmo redimido.

Ouve um iní­cio de rebuliço, alguns questionaram que só faz a ciranda quem passa pelas oito jornadas.

Eis que o ancião respondeu – Está na hora de todos conhecerem a 9º jornada.

– Nona jornada? – todos se perguntavam.

– Antes de formarem a roda fiquem todos descalços – impôs o ancião.

Todos tiraram os seus sapatos, sandálias e chinelos e antes que eu pudesse fazer uma piada de como só tinha Pé feio ali. Todos disseram ao mesmo tempo: – É ele. – É ele. – O ESCOLHIDO.

Todos fizeram uma roda em minha volta e me veneraram como um Santo. Tudo por quê eu tenho a micose no dedão do PÉ esquerdo. Fui aceito no grupo e hoje sou uma espécie de guru espiritual do Teatro do Pé. E o melhor de tudo isso é que eu não vou precisar fazer trabalho de corpo.

FIM

Daniel Lopes 05/2007

Texto na Integra da Premiação Festa 2005.

Prêmio: Melhor Diretor

Espetáculo: Argumas de Patativa

Diretor: Mateus Faconti.

Ghost Writer: Daniel Lopes

– Grato!

FIM




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7 Comentários para “A Nona Jornada”

  1. 1 Maria Fernanda

    E é por existirem blogs com textos como esses que não é bom navegar na Internet no horário de trabalho… Como eu explico para a minha chefe que estava rindo sozinha em frente ao Pc com um relatório para entregar ainda hoje??

    Mesmo assim, obrigada pelos risos… Começar uma segunda feira assim é bom demais!

  2. 2 Mateus Lopes

    Parabéns Daniel!
    Muito bom!
    Como eu dei boas risadas lendo o seu texto…
    Eram quase 23:00h quando eu lia o texto no computador do saguão do hotel de Rio Claro, na hora que a bola tirou a sua unha durante o jogo, eu dei uma gargalhada tão alta que saí­ram umas 6 pessoas do quarto só pra ver o que estava acontecendo. Foi bom que serviu até para divulgação tanto do blog quanto da apresentação de domingo.
    Enfim, parabéns, um grande abraço e sucesso para todos nós!

  3. 3 Mateus Faconti

    Na verdade, o discurso que o Daniel escreveu pra mim foi:

    – Agradecido!

    O grato, foi uma livre adaptação da obra com intuito de deixá-la mais próxima ao minha estética pessoal.

  4. 4 Camila Baraldi

    Tá certo que ter pé feio é requisito quase que obrigatório para ser do grupo mas dá um tempo pra Iris: o pé é estranho mas ela é uma fofa! Mas todos sabemos que isso não é tudo: é claro e cristalino que o que move esse elenco e, quando digo elenco, falo de equipe, de time, enfim…etc. Bom o que move esse elenco é a paixão. Cada um à sua maneira mas todos com tal seriedade, fé e vontade que o resultado é esse que conheçemos hoje: Espetáculos emocionantes, leituras agradabelí­ssimas e , mais importante, o estí­mulo que o vosso trabalho causa nos outros grupos. Que muitos outros pés enriquecedores venham auxiliar esses bonitos passos.

  5. 5 Cicera Carmo

    Parabéns
    Meu amigo, vc é uma figura…kkkk
    Figura muito especial e talentoso
    Te desejo muito sucesso, aí­ junto com os outros pés e sem micose… rsrsrs
    Beijos querido

  6. 6 Iris La Cava

    Muito engraçado o seu texto, Daniel!

    Pés esquisitos, porém sustentadores de um grande ideal!

    Beijinhos

  1. 1 Transubstanciando Dario Fo ou A trajetória entre a História da Tigresa e o Causo da Onça at Blog do Pé