A Cia. Pequod Teatro de Animação apresentou no segundo dia da Mostra de Coletivos Teatrais o espetáculo Peer Gynt, baseado na peça homônima do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Transformaram em um brilhante e engenhoso espetáculo de animação a história desse anti-herói do folclore norueguês, um personagem amoral e imaginativo. A respeito de Peer Gynt e de outras coisas conversou com o blog do Pé o diretor da companhia Miguel Vellinho.

Teatro do Pé – Você tem um trabalho com a questão do boneco. Qual a diferença, se é que há, entre o teatro de bonecos e o teatro de animação?
Miguel –
Acho que o teatro de animação é uma ampliação do conceito de teatro de bonecos. É um conceito que consegue dar conta da produção de hoje em dia, e que não necessariamente implique em boneco antropomórfico, ou zoomórfico em cena. Aqui no Peer Gynt a gente fez coisas bem interessantes em relação a tentar fazer uma atualização dessa linguagem e pra onde a gente poderia caminhar, agora, nesse estágio do trabalho. Então tem uma cena de Peer Gynt, por exemplo, que é a cena da curva (onde um ator pendurado de cabeça para baixo manipula um tecido vermelho), que foi uma das primeiras imagens, quando eu li a peça, foi uma das primeiras coisas que veio, por que a curva é um personagem folclórico norueguês, e de difícil entendimento até pra gente que foi atrás, e conversou com um teórico, um professor próximo a gente pra entender um pouco o que é a curva. Aí achamos uma solução, que é o uso da fita de ginástica, que acho que é um bom exemplo pra essa ampliação do termo. A gente tem na cena, um manipulador, que é a pessoas que conduz a fita, e um elemento expressivo que toma lugar de um personagem na peça. Então eu acho que essa possibilidade de trazer um elemento extra boneco, extra confeccionar um boneco, acho que isso é que dá o termo teatro de animação, que consegue dar conta de tudo isso. E essa mescla entre ator e boneco, totalmente indistinta. Aqui é 50% e 50%. Tem boneco, falando com boneco, tem boneco falando com ator, tem ator dando voz pra boneco como se fosse uma dublagem. É uma mistura, só que uma mistura que quando a gente estabelece uma cena que possa permitir esse tipo de coisa, acho que toda a platéia acaba codificando os princípios que a gente vai trabalhar e embarca junto. Acho que é por ai!

PÉ – Nós acompanhamos dois trabalhos seguidos do Pequod (no dia anterior eles apresentaram Filme Noir, veja entrevista com Mário Piragibe) e, nos dois, parece que se trabalhou assim nessa questão do código total. Você constrói e proporciona um universo e esse universo te dá todas as suas regras. Ai você quebra essas regras e vai dentro desse universo… e isso também começa a definir o que é teatro de animação ou é mais do criador?
Miguel –
Não! Eu acho que isso é mais um jeito meu de levar a coisa. E também acho que graças a um tipo de coisa que só acontece em trabalho de grupo. Num trabalho continuado aonde as pessoas já vêm com toda a bagagem de espetáculos anteriores, já entende e codifica o que está vindo e o que se quer agora. E acho que a nossa trajetória é muita clara nesse sentido de onde a gente começou e pra onde estamos indo.

Pé – O Pequod já tem quanto tempo?
Miguel – Sete anos e no final desse ano faz oito.

Pé – E a sua atividade com teatro de bonecos começou quando?

Miguel – Eu sou do Sobrevento também que é um grupo que começou no final de 86. A gente ainda estava na faculdade e ai teve uma oficina de teatro de bonecos lá, que foi oferecida como uma matéria eletiva e a gente se interessou, eu, Luis André e Sandra… a gente se interessou pela linguagem e embarcamos nessa. A gente fez um trabalho final nessa oficina que foi muito elogiado, muito falado e a gente acabou sendo convidado para um festival internacional que aconteceria aqui no Brasil. E quando a gente foi pra esse festival, que a gente teve contato com um monte de técnicas, um monte de possibilidades, uma quantidade infinita de caminhos pra seguir… a gente ficou muito fascinado com isso e abandonou a carreira de ator e embarcamos nessa. Então acho que desde 86 eu trabalho com isso. Desde 86 eu fiquei com o grupo. Eu continuo, de certa forma, com o Sobrevento, de uma certa maneira, fazendo os espetáculos antigos. Quando eles saíram do Rio de Janeiro e vieram morar em São Paulo, eu fiquei no Rio, e ai eu precisei continuar. E então eu montei um outro grupo, que é esse. E, enfim, eu atuo cada vez menos no Sobrevento, cada vez mais nesse.

Pé – Quem é que roteiriza esse texto cortado? É o grupo? É você?
Miguel –
Foi o grupo todo! Teve uma condução. Teve umas coisas que já de antemão, eu sabia que não ia entrar. Tem todo um ato, que é um quarto ato da peça, que pouquíssimas vezes ele é montado. E eu também acho que ele não precisa ser montado, por que ele é muito redundante. Ele retoma, repassa muito das peripécias do Peer Gynt inicial, mas ele já lembrando uma fase, digamos assim adulta, meia idade. Ai eu já pulei logo pra velhice quando ele está retornando pra Noruega. Por que me interessa falar o que era preciso falar, por que eu tinha um medo danado do espetáculo ficar muito longo. Mas também eu não me preocupei muito com o tempo, mas assim… não queria passar de duas horas. O espetáculo geralmente tem uma hora e quarenta, e cinqüenta. Então assim, o quarto ato de antemão eu já sabia que não iria entrar.

Pé – E com a tradução de vocês trabalharam, vocês fizeram uma versão para teatro em termos de poética?
Miguel – Olha só! A gente achou um texto em São Paulo, uma tradução que estava muito cheia de erros. Muita coisa não batia, muita coisa estava confusa, muita coisa estava mal traduzida, mal explicada. Ai agente foi pro francês, pro inglês. A gente tinha o auxílio de um assistente teórico que é dinamarquês e lia no original. Algumas coisas que não batiam, ele ia no original. Ah!… e o espanhol, também! Então agente ficou com o francês, inglês, espanhol, dinamarquês, que na época antiga, o dinamarquês e o norueguês, enquanto língua, eram uma coisa só. Então o texto, do Ibsen, ele tanto pode ser lido por dinamarquês como norueguês, que é uma coisa só. Muita coisa foi cortada. Muita coisa foi modificada para servir ao que a gente queria, pequenos finais de cena a gente dava uma torcida pra ficar um pouco mais macio. Teve muita intervenção até chegar à versão final!

Pé – Uma curiosidade criativa que eu tenho em relação ao processo de vocês… Ele me passa a impressão que é quase impossível de ser feito de uma forma assim: vocês tem tudo pronto e entrega pro iluminador por exemplo. Ele tem que ser feito muito passo a passo.
Miguel –
Nesse sentido a gente tem uma equipe que trabalha bastante junto. O iluminador é o mesmo desde o meu primeiro espetáculo, e ele sempre vai assistindo os ensaios desde o início do processo. Dessa vez, na verdade, ele estava viajando e assistiu muita coisa inicial e muita coisa no final do processo. Ele não teve esse acompanhamento. Mas geralmente ele acompanha tudo! O cenógrafo é uma pessoa da companhia. Ele está presente desde o início até o final, está viajando com a gente, e é uma pessoa que está em todos os momentos. Então tem uma equipe que está sempre por perto e acho que isso que facilita também e que apressa os finais.




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1 Comentário para “Entrevista com Miguel Vellinho, diretor da Cia. Pequod – Teatro de Animação”

  1. 1 Alexandra Deitos

    Olá.
    Li a entrevista com Miguel Vellinho e gostaria de saber sobre a tradução encontrada em São Paulo… Onde acharam ela?
    E se sabem de alguma outra tradução que possa existir, mesmo que “meio ruim”…

    Obrigada.
    Alexandra Deitos.