O ser humano nasceu pra salvar uma bola
0 Comentários Publicado por Olavo Dáda em 25 de abril de 2007 em Crônicas, Pensamentos.“WILLLLSON! I CAN´T!!!!”… “WILSON, I´M SORRY, WILSON!” – grita o excelente ator para uma surrada bola de vôlei que ia se afastando, tragada pela maré e pela correnteza.
Poucos profissionais da arte de representar foram abençoados com a graça de fazer uma cena daquelas e não escorregar da linha tênue que separa, nesses casos, o emocionante, do piegas. O trágico, do banal inverossímil. |
Chuck (o nome do personagem do grande Tom Hanks) e seu amigo-bola Wilson são, inclusive, os responsáveis pela melhor piada (das poucas) do filme, e que deveria ser explicada ao público com uma nota legendada na longa pausa que se segue ao comentário.
Chuck decide-se por, finalmente, arrancar o dente infeccionado. Na caverna (-e podem lembrar de Platão), antes de realizar o procedimento, ele diz para Wilson, com alta carga de ironia, que o dentista dele (Chuck), em Memphis, chamava-se “Spalding. Dr. Spalding” e ri.
A qualidade da piada reside no fato de que Spalding (erroneamente grafado na legenda como “Spaulding”) é o nome do fabricante de bolas e maior concorrente da Wilson. As bolas de basquete Spalding são lendárias.
Numa das cenas finais, enquanto o protagonista dirige seu Jeep por uma empoeirada estrada vicinal ao som de Elvis Presley (“Return to Sender”), podemos ver, no banco do passageiro, uma Wilson novinha em folha seguindo o destino com seu camarada Chuck.
Creio que a metáfora da emocionante cena do filme resuma uma boa parte da existência humana e nossa “missão” de vida: nascemos para salvar; para criar; erigir; alimentar; acolher; trabalhar; amar. Para não termos receio de, eventualmente, sermos patéticos, ridículos, de “pagarmos o mico”, como dizem -e quem já se apaixonou ou tem filhos pequenos sabe muito bem o que é isso.
Sei que chovo no molhado, mas nunca é demais repetir que essa magnífica obra da evolução, nós, seres humanos, certamente não temos entre nossas qualificações maiores e melhores o assassínio, o genocídio, o extermínio, a tortura, o golpismo, o preconceito, a intolerância, a malandragem, a ladroagem, a corrupção e, com seu perdão para o termo chulo, toda essa “escrotidão” perpetrada por determinados representantes da raça humana (-a única que existe, pois o resto é etnia).
Sempre me pego repetindo que Cora Coralina e Freud, cada qual à sua maneira, diziam que fora o amor e o trabalho, não existe nada mais de importante na vida.
Pena que a sociedade em que vivemos -ou melhor, o sistema que a rege- dê valor às coisas sem valor verdadeiro. A sociedade de consumo é uma armadilha para aprisionar idiotas.
Se tal sistema fosse bom, os Estados Unidos da América não consumiriam “metade dos calmantes, ansiolíticos e demais drogas químicas que são vendidas legalmente no mundo; e mais da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente, o que não é uma coisinha à-toa quando se leva em conta que os EUA contam com apenas cinco por cento da população mundial”, como diz o genial Eduardo Galeano, no texto “O Império do Consumo”.
Um sistema que degrada fauna, flora, mares, oceanos, o ar que respiramos, o alimento que comemos, populações, países, culturas e o globo em função de algo tão fugidio quanto riqueza e lucro.
Como o bom e velho náufrago (-e, depois de Platão, é também impossível deixar de pensar num Robinson Crusoe neo-terceiro milênio), tenho certeza que de vocês têm consciência de que a missão verdadeiramente importante (-a “contradição principal”, como dizia o velho Karl) da aventura humana seja não ter medo de não se levar muito a sério, no sentido de, mesmo sabedores de nossa supremacia sobre as demais espécies terrenas e de nossa importância, termos clareza de nossa insignificância perante a vastidão do universo e a inclemência da natureza -que, erroneamente, alguns pensam ludibriar.
E, inclusive por essa noção de nossa insignificância, não termos medo de “pagarmos alguns micos”, mas sempre tendo claro que não há existência futura possível se não travarmos -como Chuck aprendeu- um diálogo permanente e “simbiótico” com a natureza e nosso planeta.
Mas essa insignificância não deve em momento algum ser traduzida como inoperância ou resignação.
Viajamos numa espaçonave delicada, violentada a cada segundo, que deverá tornar-se pó em pouco mais de um bilhão de anos -tempo que poderá diminuir se não fizermos algo muito depressa.
Tudo o que construímos neste intervalo, desde quando nos arrastamos para fora do mar e iniciamos nossa jornada darwiniana, se dissolverá num imenso clarão com a força de zilhões de megatons. Do pó-big-bang viemos, ao pó-super-nova (-talvez buraco-negro) voltaremos.
E por falar em Darwin, o nosso herói Chuck não saiu do mar para iniciar uma nova etapa de sua vida/evolução?
As edificações ficarão até o bilionésimo de segundo final, mas devemos estar preparados para irmos, aos poucos, abandonando nossa espaçonave e partirmos para outros mundos, galáxias e sistemas solares levando tudo o que de bom e importante criamos: nossa cultura, herança de uma espécie. E torçamos para que tudo o que não presta fique e arda nas chamas do inferno nuclear que advirá.
Consta do Diário do Capitão: “Audaciosamente indo, onde nenhum homem jamais esteve”.
Para darmos uma chance às nossas herdeiras e herdeiros, precisamos ganhar o maior tempo possível.
Precisamos tratar bem dessa espaçonave que ora nos abriga.
Afinal, nascemos para salvar uma bola, mas seu nome não é Wilson: é Gaia, a mãe de tudo, o planeta Terra.
Referências:
01) O filme “O Náufrago” na Wikipédia
02) Site oficial: http://www.castawaymovie.com/
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