“WILLLLSON! I CAN´T!!!!”… “WILSON, I´M SORRY, WILSON!” – grita o excelente ator para uma surrada bola de vôlei que ia se afastando, tragada pela maré e pela correnteza.

Poucos profissionais da arte de representar foram abençoados com a graça de fazer uma cena daquelas e não escorregar da linha tênue que separa, nesses casos, o emocionante, do piegas. O trágico, do banal inverossí­mil.

Chuck (o nome do personagem do grande Tom Hanks) e seu amigo-bola Wilson são, inclusive, os responsáveis pela melhor piada (das poucas) do filme, e que deveria ser explicada ao público com uma nota legendada na longa pausa que se segue ao comentário.

Chuck decide-se por, finalmente, arrancar o dente infeccionado. Na caverna (-e podem lembrar de Platão), antes de realizar o procedimento, ele diz para Wilson, com alta carga de ironia, que o dentista dele (Chuck), em Memphis, chamava-se “Spalding. Dr. Spalding” e ri.

A qualidade da piada reside no fato de que Spalding (erroneamente grafado na legenda como “Spaulding”) é o nome do fabricante de bolas e maior concorrente da Wilson. As bolas de basquete Spalding são lendárias.

Numa das cenas finais, enquanto o protagonista dirige seu Jeep por uma empoeirada estrada vicinal ao som de Elvis Presley (“Return to Sender”), podemos ver, no banco do passageiro, uma Wilson novinha em folha seguindo o destino com seu camarada Chuck.

Creio que a metáfora da emocionante cena do filme resuma uma boa parte da existência humana e nossa “missão” de vida: nascemos para salvar; para criar; erigir; alimentar; acolher; trabalhar; amar. Para não termos receio de, eventualmente, sermos patéticos, ridí­culos, de “pagarmos o mico”, como dizem -e quem já se apaixonou ou tem filhos pequenos sabe muito bem o que é isso.

Sei que chovo no molhado, mas nunca é demais repetir que essa magní­fica obra da evolução, nós, seres humanos, certamente não temos entre nossas qualificações maiores e melhores o assassí­nio, o genocí­dio, o extermí­nio, a tortura, o golpismo, o preconceito, a intolerância, a malandragem, a ladroagem, a corrupção e, com seu perdão para o termo chulo, toda essa “escrotidão” perpetrada por determinados representantes da raça humana (-a única que existe, pois o resto é etnia).

Sempre me pego repetindo que Cora Coralina e Freud, cada qual à sua maneira, diziam que fora o amor e o trabalho, não existe nada mais de importante na vida.
Pena que a sociedade em que vivemos -ou melhor, o sistema que a rege- dê valor às coisas sem valor verdadeiro. A sociedade de consumo é uma armadilha para aprisionar idiotas.

Se tal sistema fosse bom, os Estados Unidos da América não consumiriam “metade dos calmantes, ansiolí­ticos e demais drogas quí­micas que são vendidas legalmente no mundo; e mais da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente, o que não é uma coisinha à-toa quando se leva em conta que os EUA contam com apenas cinco por cento da população mundial”, como diz o genial Eduardo Galeano, no texto “O Império do Consumo”.

Um sistema que degrada fauna, flora, mares, oceanos, o ar que respiramos, o alimento que comemos, populações, paí­ses, culturas e o globo em função de algo tão fugidio quanto riqueza e lucro.

Como o bom e velho náufrago (-e, depois de Platão, é também impossí­vel deixar de pensar num Robinson Crusoe neo-terceiro milênio), tenho certeza que de vocês têm consciência de que a missão verdadeiramente importante (-a “contradição principal”, como dizia o velho Karl) da aventura humana seja não ter medo de não se levar muito a sério, no sentido de, mesmo sabedores de nossa supremacia sobre as demais espécies terrenas e de nossa importância, termos clareza de nossa insignificância perante a vastidão do universo e a inclemência da natureza -que, erroneamente, alguns pensam ludibriar.

E, inclusive por essa noção de nossa insignificância, não termos medo de “pagarmos alguns micos”, mas sempre tendo claro que não há existência futura possí­vel se não travarmos -como Chuck aprendeu- um diálogo permanente e “simbiótico” com a natureza e nosso planeta.

Mas essa insignificância não deve em momento algum ser traduzida como inoperância ou resignação.

Viajamos numa espaçonave delicada, violentada a cada segundo, que deverá tornar-se pó em pouco mais de um bilhão de anos -tempo que poderá diminuir se não fizermos algo muito depressa.

Tudo o que construí­mos neste intervalo, desde quando nos arrastamos para fora do mar e iniciamos nossa jornada darwiniana, se dissolverá num imenso clarão com a força de zilhões de megatons. Do pó-big-bang viemos, ao pó-super-nova (-talvez buraco-negro) voltaremos.

E por falar em Darwin, o nosso herói Chuck não saiu do mar para iniciar uma nova etapa de sua vida/evolução?

As edificações ficarão até o bilionésimo de segundo final, mas devemos estar preparados para irmos, aos poucos, abandonando nossa espaçonave e partirmos para outros mundos, galáxias e sistemas solares levando tudo o que de bom e importante criamos: nossa cultura, herança de uma espécie. E torçamos para que tudo o que não presta fique e arda nas chamas do inferno nuclear que advirá.

Consta do Diário do Capitão: “Audaciosamente indo, onde nenhum homem jamais esteve”.

Para darmos uma chance às nossas herdeiras e herdeiros, precisamos ganhar o maior tempo possí­vel.
Precisamos tratar bem dessa espaçonave que ora nos abriga.
Afinal, nascemos para salvar uma bola, mas seu nome não é Wilson: é Gaia, a mãe de tudo, o planeta Terra.

Referências:
01) O filme “O Náufrago” na Wikipédia
02) Site oficial: http://www.castawaymovie.com/




Deixe seu Comentário



0 Comentários para “O ser humano nasceu pra salvar uma bola”

  1. Ainda não há comentários registrados