O terceiro dia (15/07/2007) da Mostra de Coletivos Teatrais do Sesc-Santos contou com duas apresentações do formidável grupo Seres de Luz. Seus fundadores Lily Curcio e Abel Saavedra, dois Argentinos radicados em Campinas, generosamente conversaram com o Blog do Pé, após a segunda apresentação do grupo na mostra e durante a final da Copa América, enquanto conversávamos ouvíamos os gritos dos três gols com que o Brasil venceu a Argentina por 3 x 0. Estava presente também, Dracon, integrante brasileiro dos Seres de Luz. Falamos de tudo um pouco. Um pensamento de Lily Curcio encontrado no site do grupo sintetiza bem o fazer artístico do grupo:


Abel Saavedra

Lily Curcio

“Uma couraça para não sentir
Uma cou raça para não dar, outra para não receber.
Uma couraça para evitar o verdadeiro.
E um nariz para destruir todas elas e poder mostrar a nossa alma “

Teatro do Pé – Há quanto tempo existe o Seres de Luz?
Lily Curcio
: O grupo nasceu em 1994, já temos 13 anos. Foi fundado por mim e pelo Abel. Só há um ano que crescemos para quatro integrantes. E o histórico de nosso grupo na realidade é a paixão enorme pelo teatro de bonecos, animação e pelo palhaço. Essas duas linhas de pesquisa são muito fortes para nós.

Pé – Como é que vocês definem o Seres de Luz? O que é conceitualmente, artisticamente?
Abel Saavedra –
A gente tenta uma mistura de teatro físico com teatro de animação, com clown e circo… porque para ter o clown já tem uma certa linha que vai pelo circo, vai pelo clown do teatro. Agora é que a gente está traçando um caminho mais reto. Digamos assim! Por que sempre foi meio direcionado e dividido. A gente focava numa coisa, ia lá absorvia tudo o que conseguia e trabalhava em cima disso depois. Criação com tudo aquilo que conseguimos aprender e desenvolver, e a partir disso surgiram espetáculos, com bonecos, por exemplo, depois com clows. Nós temos a possibilidade de misturar os dois mundos, paralelos, que já não são mais paralelos.

Pé – Em treze anos vocês construíram um repertório de quantos espetáculos?

Abel – Seis espetáculos! Na verdade nós temos o último espetáculo há dois meses. Dia 25 de julho faz dois meses.

Pé – Qual o espetáculo?
Abel –
“Convocadores de Estrelas” é um espetáculo com bonecos. Só com bonecos! Neste espetáculo o Darko (outro integrante do grupo) já entrou pra manipular também. O Darko já está conosco trabalhando conosco faz um ano e pouco. Ele vem acompanhando, fazendo a iluminação como técnico, e trabalhando a manipulação também. Ele adorou o mundo do teatro de animação e ele entrou diretamente. Nós as possibilidades que ele tem, e a generosidade que ele tem. E ele está fazendo parte agora de um novo espetáculo. Estamos trabalhando mais dois espetáculos, um que é a comicidade. Estamos trabalhando esse espetáculo que estava parado por causa da estréia do outro. Totalmente diferente com aquele que acabamos de estrear. E o outro que vai começar a ser trabalhado daqui a um mês e meio ou dois meses, mais ou menos.

Pé – E como é que é o processo criativo de vocês? Vocês partem de um texto, partem de uma idéia geral?
Abel –
Não! Até esse último espetáculo, todos os outros, tanto o drama como a comicidade, surgiram a partir das ações físicas. Como trabalhar o ator e no caso de manipulação, por exemplo, também a partir de ações físicas mesmo. Nós temos teatro como trabalho de sala, um repertório bem amplo de ações distinto aos bonecos, por exemplo, ou no caso para o ator. E agente foi costurando algumas cenas, dessas ações, e desenvolvendo um espetáculo.

Lily – Primordialmente foi a partir dos trabalhos de sala.

Abel – A gente entra em sala sem nenhuma idéia pré-concebida. Vamos pesquisando e vendo o que vai acontecendo com os manipulados, no caso os bonecos. O que acontece com eles, e como vamos aprimorar a técnica pra isso. E como nós podemos emprestar o nosso corpo para ele se expressar. Para isso nós temos todo um treinamento técnico e físico pra poder conseguir acompanhar e emprestar o máximo possível.

Pé – E vocês não têm só trabalhos cômicos, mas trabalhos dramáticos também?
Lily –
Também! Muito dramático… hehe… Sim. Temos um espetáculo adulto com boneco que é drama, chamado “Quando Tu Não Estás!”

Pé – E esses 13 anos sempre foram no Brasil?
Lily – Sim! Viajando muito pelo mundo, mas sempre com sede no Brasil.

Abel – A sede está sendo montada ainda, em Campinas. Estamos montando um espaço para trabalhar.

Pé – Como é que vocês foram se fixar em Campinas?
Abel –
Em Campinas? Lume! Moramos em Búzios, mas então conhecemos o LUME e percebemos o trabalho que vem muito forte, que para nós interessava. Aí ficamos viajando com eles todos os finais de semana durantes uns seis ou sete meses. Para acompanhar, para produzir, estudar, aprender. E assim todos os fins de semana. Saíamos na sexta-feira e voltava no domingo à noite. Era o único tempo que eles conseguiam trabalhar fora do grupo deles, então eles trabalhavam conosco.

Pé – E da Argentina para o Brasil, quando houve a decisão de vir pra cá? Por que vocês não desenvolveram um trabalho pela Argentina?
Abel –
Isso foi em 1994, viajamos pra cá, mas trabalhavamos lá e tal.

Lily – Na realidade o grupo nasceu aqui. Foi uma opção de vida. Nossas vidas eram completamente diferentes. Relacionadas ao teatro, mas de uma forma muito mais distante. Cada um tinha outra profissão, mas a paixão nossa (se refere ao companheiro, Abel e Lily são casados) nos ligou em muitos sentidos e decidimos….

Abel – De um lado o ganha pão e de outro lado as paixões. Ai quando chegamos ao Brasil, foi a decisão final.

Pé – Vocês decidiram morar em Búzios, mas não foi uma fase muito produtiva, não é?
Abel –
Nós adoramos Búzios! Foi muito bom para nós… Muito bom!

Lily – Muito bom para achar um estado de calma no nosso espírito, na nossa cabeça. Mas chega uma hora que quando você precisa crescer profissionalmente, achar uma disciplina, foi difícil, por que Búzios como todos sabem, tem muitas praias, então é um convite constante ao prazer, a estar jogado na areia. hehehe… Ou você opta por essa vida que é maravilhosa, ou você também pode optar por trabalhar. Nós optamos por trabalhar, pela disciplina de achar alguma coisa que nos fizesse crescer. Então encontramos uma série de treinamentos…

Pé – Vocês mostraram hoje, dois clowns não é?
Lily – É… é o Tanguito (de Abel) e o Jasmin (de Lily).

Pé – Vocês trouxeram eles desenvolvidos da Argentina ou foram desenvolvidos no Brasil?
Lily –
Não! Aqui, aqui… pra falar a verdade eu não sabia nem o que significava a palavra Clown quando escutei pela primeira vez. E, um amigos muito queridos do Teatro de Anônimo do Rio de Janeiro e eles nos informaram que tinha um retiro de clowns sendo realizado pelo LUME. Estavam convidando as pessoas para se inscreverem. E ai… nossa vida mudou! Ali nossos clowns nasceram!

Pé – E saíram do retiro nascidos já? É um processo tão intenso… Às vezes, tem clowns que demoram anos, não é?
Lily –
Não você demora a vida toda pra fazer o seu clown. Mas nasceram, foram batizados lá no LUME no retiro de clowns.

Pé – O que o clown comunica?
Lily: O que eu tenho a capacidade de falar, ou o que penso nesse momento. Tem a capacidade de denunciar coisas que uma pessoa normal não denunciaria. Tem a capacidade de ser aberto e verdadeiro o tempo inteiro. Então… acho que o poder do clown é incrível, é ilimitado. Ele pode tudo… tudo! Pode sacanear a qualquer um, pode falar das coisas mais horríveis, com essa ternura, com essa verdade. Se você trabalha com essa verdade, o clown pode tudo!

Pé – E nessa trajetória, relativamente curta, vocês tiveram vários convites não é? Além do LUME, parece que vocês foram para o exterior várias vezes para desenvolver trabalhos, não?
Lily –
Uma coisa bem marcante pra nós! A partir do LUME nós dois pensamos: Vamos correr de atrás dos grandes.Queríamos aprofundar mesmo. Então, a primeira viagem foi para Londres, e trabalhos na escola de Philip Burnier. O que foi uma experiência muito forte! Daí agente foi diretamente pra Itália, conhecer o grande mestre Nani Colombaioni. Ele dirigiu e ensinou agente, e trabalhou criando conosco com dois espetáculos. Que foi um solo meu como acrobata, e um outro que junta bonecos com clown. Isso foi uma experiência única. Entre outras experiências marcantes.

Pé – O nosso blog é de teatro e a maioria do nosso público é de teatro. Então eu gostaria de saber, como vocês fazem a gestão do grupo? Como conseguem viabilizá-lo?
Lily –
24 horas por dia trabalhando.

Abel – Pra você ter uma idéia… Só essa semana a gente fez espetáculo terça-feira. Segunda feira foi produção. Mas começamos tudo muito cedo! Acordamos 6 horas da manhã e ai vai para o treinamento. 9 horas já estamos no pique dentro da nossa sala de produção. E ai vai produzir o que temos. Depois, por exemplo, terça feira tivemos espetáculo, então paramos a produção para apresentar. Mas nós temos já temos uma outra pessoa, a Simone, que é uma outra pessoa que toma conta dessa parte burocrática. E sexta-feira apresentamos dois espetáculos em outra cidade, Sorocaba, ontem em Campinas, hoje aqui, e amanhã temos coisa para produzir. Ou seja, não podemos parar… Enfim, para nós, como que faz? É paixão querido! Ou você quer ou não quer! Você não é obrigado.

Lily – E também tem uma coisa, que é… essa coisa de ser estrangeiro, você não pode esperar muito de ganhar um edital… por que? Por que você é estrangeiro, é lógico! Então mentalizamos que pelo nosso esforço é que nós iríamos ganhar as coisas.

Pé – Mas hoje vocês já podem pegar edital, não é?
Lily – Já ganhamos um edital! Graças a Deus! Depois de muito anos…

Pé – Olha, eu sou contra dar edital pra argentinos! Mas tudo bem…
TODOS – HAHAHAHAHAHAHA….

Lily – Mas é verdade! Não temos que esperar nada. Se podemos fazer as coisas, por que não? Mas depois de muitos anos que você já temos uma tradição! Então.. No ano passado o projeto “Convocadores de Estrelas”, juntos com o Darko, nosso diretor e a Simone, nós ganhamos um edital no SESI. Que foi…

Pé – Vocês fizeram o Teatro de Bonecos? O circuito?
Lily –
Na realidade nós ganhamos o edital de produções inéditas teatrais. Além disso estamos fazendo o circuito do SESI. Pergunta também para o Darko! Que eu acho que ele também tem outra visão das coisas. Pois ele está se incorporando aos poucos, está fazendo o novo espetáculo… e como ele vê o grupo?

Pé – Como foi pra você então entrar para o grupo? Esse grande privilégio… Você não morou em Búzios, né?
Todos – HAHAHAHAHAHAHA….


Darko Magalhães

Darko – É isso que você falou é verdade! Eu peguei uma fase crescente do grupo.

Pé – Que outros trabalhos você tinha antes? Para entendermos um pouco da sua trajetória…
Darko – Eu não parei com nenhum trabalho antes! A minha entrada no grupo se deu de uma forma um tanto natural e pela necessidade de trabalho. Eles precisavam de um técnico que fizesse iluminação, mas não tinha ninguém! Eu queria fazer iluminação, pois para mim é importante estar no teatro de alguma forma.Eu quero fazer iluminação para não deixar de fazer teatro, e eu montando o meu espetáculo… e ai, unimos as duas coisas. Então eu comecei a acompanhá-los em tudo o que era apresentação! E nisso fomos estreitando os vínculos. E também estreitando o contato com a linguagem, o que é uma grande benção! É uma grande transformação você estar em contato muito tempo com uma linguagem. Poucos atores têm essa oportunidade de estar em contato com teatro de bonecos continuamente. Vendo e absorvendo isso! Vendo eles como palhaços. Então, por exemplo… Eu não tinha muita noção do universo do Clown, do palhaço… e eu vi uma galera elogiando eles… eu falava, caraca… a minha referência de clown hoje são eles! Entende? Então falaram, agora vai lá e faz aquilo outro. Eu fui e fiz e quando eu me dei conta eu estava no palco com eu tava com uma galera bamba! E até cair essa ficha… Pra ser muito honesto, eu fechei o olho e cai. Entendeu… Por que você fica pensando… ai eu não posso, é difícil, por que eu tenho que estudar, por que aquilo… Tem que estudar! Difícil, é! Mas para com isso de pensar muito e faça… senão, não dá tempo.

Abel – Não tem essa história de tempo. Como é que vocês fazem para chegar ao grupo né? Cara… faça!

Darko –Faça! Ah… mas… Faça! Ah… mas… Faça! Mas acontece que… Faça!

Pé – Você não era ator por formação?
Darko –
Eu sempre fui ator, mas nunca me formei numa escola… Eu, por exemplo, trabalhei durante sete anos com o Teatro do Oprimido. Trabalhei com Augusto Boal, Hellen Sarapec, trabalhei com Bárbara Santos, trabalhei num projeto durante três anos num presídio do estado de São Paulo. Eu sempre tive comunicação com o teatro muito estreita. Eu larguei a música erudita para fazer teatro. Eu sou músico, me formei em Tatuí. Mas eu não executo música, eu uso no teatro. Entende? Por exemplo, essa história de falar, faça mais e pense menos. Se não fosse esse raciocínio do grupo eu não estaria num espetáculo de bonecos, trabalhando com um dos melhores diretores argentinos, e manipulando, dividindo o palco com eles dois. Por que? Por que é muito difícil, e isso, e aquilo… Não se permita pensar, faça! O diretor fala pra você, faça isso… Faça o que o diretor está pedindo! Não se pergunte se vai dar…

PÉ – Uma história que eu gosto bastante é aquela história do Maurício de Souza, de como ele entrou no mercado americano de quadrinhos e se deu tão bem. Perguntaram para ele como ele havia conseguido entrar num mercado com tanta concorrência? E ele respondeu, por que ninguém tinha dito isso pra mim antes…. Ninguém me contou!
Todos – HAHAHAHAHAHAHA…

Darko – É aquela história, ele não sabia que era impossível, foi lá e fez! Agora, eu sempre levanto essa bola quanto à academia, pois ela fala que muita coisa é impossível. O cara estuda durante quatro anos e entende que um monte de coisas é impossível. Sabe? É um alerta! Eu acho que é fundamental você ter academia, mas também tem que ter essa noção do fazer.

PÉ – Você está falando uma coisa que é muito séria dentro desse registro que estamos fazendo. Eu sou empresário! No grupo de teatro também sou empresário, pois o teatro é uma atividade empresarial. Larguei a faculdade de jornalismo para fazer teatro. E eu fui descobrindo coisas dentro do empreendedorismo… om emprendedores mesmos brincam: as faculdades formam os melhores funcionários!
Todos –
Noooossa! Hahahahha…

Pé – Pois lá na academia te ensinam como não fazer um monte de coisas. Mas quem faz mesmo são os empreendedores.

Darko – Não deve ser assim! Tem muito haver com o olhar do aluno também. O aluno atento! Por que tem que usar a academia. Veja o Renato Ferracini do LUME? O cara é doutor. Por favor! Amigão nosso! É irmão assim… Eu sei do exemplo dele!

Abel – Bom exemplo!

Pé – Mas esses exemplos rareiam bastante também, não é? Tem a questão de que você começa a se esconder atrás da academia. É tão imponente, tão importante, que você perde o fio de contato com o público.

Darko – Olha a conversa está boa, mas precisamos ir antes que acabe o jogo, se não vamos pegar a estrada cheia.

Pé – Por mim tudo bem já está ótimo. Muito obrigado.




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5 Comentários para “Entrevista com o grupo Seres de Luz Teatro”

  1. 1 Darko Magalhães

    Salve Pé;

    Encontrei seu blog, muito bom, parabéns.
    Como te disse; gostaria de escrever também.
    Valeu pela entrevista, todos aqui agradecemos.
    Se tiver como dê uma correção no meu nome ai….sei como é! rsrs

    beijos

    darko

  2. 2 mar

    bonito trabajo!!! felicidades…exito..namaste!!!!

  3. 3 Gáis TPS

    Boa tarde para todos !!!!

    Tenho certeza que onde os Seres de Luz passaram foi um grande sucesso

    Abraços para D.Lily,Abel,Darko Tb para iluminadora ela não esqueceu de nada não hahaha os leds

    Deu largata no algodão, arzira, falo veio , chau campeões

    Abraços

    Feliz 2008 com muita Paz e saúde para todos

  4. 4 CARLOS EDUARDO VANZUITA

    olá, antes demais nada gostaria de parabenizar o grupo pelos espetáculos que voces vem realizando
    mas minha curiosidade eh saber se Abel Saavedra jah ouviu falar de alguma maria aparacida vanzuita, de Itajaí?

  1. 1 Mostra SESC de Coletivos Teatrais at Blog do Pé