Da base ao sentimento.
Do riso sincero aos conflitos internos.
Do abraço querido aos conflitos externos.
Pé, meu querido Pé, amigos eternos.
É bom sabê-los. É bom tê-los.
Um grupo que não precisa ficar bradando pela Imprensa
e em reuniões diversas que: Somos profissionais.
Quem é mesmo não precisa dizer, pois já é parte da vida.
Minha referencia, em Santos, de Teatro profissional, são estes meninos(as) e pronto! e ponto!
Além de admirá-los como Artistas são pessoas que moram no meu coração, por suas atitudes ponderáveis e, humanamente, coletiva.
É o Pé caminhando e subindo, e subindo, e subindo.
Subindo no meu conceito.
Num jeito afetuoso e amigo de ser.
É o Pé em boa maré.
É o Pé pela estrada.
É o Pé de Patativa do Assaré.
É o Pé que cheira bem.
Cheiro bom de futuro próspero.
Abraços ao Pé.
Do meu pé ao vosso Pé.

Zéllus Machado





Nosso coletivo vem crescendo, hoje, além dos atores (Mateus Lopes, Juliana, Danilo e Íris), do diretor (eu, Mateus Faconti), do dramaturgo (Olavo) e do diretor Musical (Theo Cancelo), o Pé conta com um dramaturgista (Daniel Salsa), com um produtor que também é iluminador (Leandro Taveira) e com uma colabora em função não definida (Maria Tornatore).


Daniel Lopes
Dramaturgista
A chegada desses novos parceiros vem contribuir muito com nossos futuros trabalhos. O Daniel veio ao Pé por convite meu. Eu já o conheço há algum tempo e respeito bastante sua análise crí­tica e seu exercí­cio intelectual. Ele vem preencher uma função que nos faz falta desde a criação do grupo: A de um homem de palavras que possa acompanhar nossos ensaios e registrar, opinar, estimular e organizar o conteúdo das nossas improvisações, além de contribuir nos trabalhos de pesquisa e estabelecer uma relação crí­tica em relação às nossas montagens.

No processo de montagens de textos já escritos, (do Olavo, meus, e de outros) o Daniel vem somar nossos esforços no sentido da análise do texto, estabelecendo a relação deste com a pesquisa teórica e com a contemporaneidade. Além de, quando necessário, desenvolver pequenas adaptações e auxiliar na identificação e solução de problemas dramatúrgicos.

O Leandro esteve trabalhando conosco, como iluminador, durante nossa recente turnê por 11 cidades através da mostra Viagem Teatral do SESI. Ele, além disso, negociou com hotéis e restaurantes conseguindo grandes descontos (alguns de 100%).Ele vem se empenhando e estudando muito a área de produção e estabeleceu uma sintonia incrí­vel com o grupo, que ainda não tinha um produtor (função essencial, exercida com muito custo e pouco conhecimento por todos os outros integrantes). O convite para integrar nosso coletivo, foi uma decisão bastante óbvia.
Leandro Taveira
Produtor

Quanto à Maria, ela nos procurou pedindo para acompanhar nossos processos de montagem. Sendo ela uma das mais competentes diretoras de teatro da região, foi aceita e vem colaborar com nossos empenhos artí­sticos. A forma que esta colaboração vai tomar ainda está por ser descoberta na integração dela com o grupo.

É o Pé com mais quantidade e qualidade.





Este é o ví­deo clipe do nosso grande amigo e artista santista Zéllus Machado, gravado nas catraias do Mercado Municipal de Santos/SP. Estrelando Danilo Nunes (do Teatro do Pé) e Gigi Fernandes. A produção foi, mais uma vez brilhantemente executada, pelos super amigos e parceiros da VDV Produções.Elenco: Danilo Nunes e Gigi Fernandes
Direção e Edição: – Viní­cius Giacomini.
Fotografia – Viní­cius Giacomini e Michel Custódio.
Realização – VDV Produções – www.vdvnet.com.br





Este ví­deo é um compacto do DVD do espetáculo Argumas de Patativa, que foi produzido em parceria com a VDV Produções.

A galera da VDV foi maravilhosa em nos apoiar e viabilizar a produção deste DVD. As filmagens foram feitas dentro do Teatro Rosinha Mastrângelo, no Centro Cultural Patrí­cia Galvão, aqui em Santos e duraram dois dias.





A Nona Jornada

“Se o poeta é um fingidor, o dramaturgo é um mitômano”

Autor desconhecido

Em 29 de janeiro de 2001, eu disputei uma partida antológica de futebol de praia. Nem eu sabia que seria minha última partida de futebol de praia até hoje em dia, nem eu sabia que essa partida seria responsável por algo tão significante na minha vida.

No meu time estavam Macaco, Ed, Japa, João e Aranha. Eu, Teleco Teco, Pex e Cazuza (capitão), Dedé e Nego (o craque do time). No outro lado não lembro de quase ninguém, só do Fred. O Fred era considerado o melhor jogador de futebol de praia a época. Não sei como chegaram a essa conclusão, mas era o que se falava. Foi um jogasso. Terminou o 1º tempo 4 x 1 para eles e acabou o jogo 6 x 5 para nós.

O lance mais importante para essa história aconteceu no começo do 2º tempo, quando eu tirei uma bomba do Fred em cima da linha. Ele desceu pela direita, fintou o Aranha, chutou cruzado, a bola passou reto pelo Macaco, eu acompanhava o lance desde do meio campo, de repente eu dei um salto voadora e tirei a bola com a unha, sem exageros, com a unha do dedão esquerdo, tanto não é exagero que a unha tirou a bola e a bola tirou a unha. Esse lance gerou duas coisas, um contra-ataque onde acabou saindo nosso 2º gol na partida e o começo da nossa reação e um grito de dor de minha parte que até vendedor de algodão-doce tirou a cabeça de Tele Tubies.

Enfim, ganhamos o jogo, comemoramos na casa do Pex com banho de piscina, fandangos e coca-cola. Foi uma tarde inesquecí­vel, ainda mais se eu lembrar a minha unha pendurada, que a tia Helena, mãe do Pex, tirou com uma pinça, como doeu. Minha unha só foi crescer totalmente duas semanas depois, com uma mancha de micose que me acompanha até hoje. Já passei pomada, já cortei a unha, já tomei chá verde, não adianta, a mancha ficou para sempre por enquanto, e o meu dedão que já parecia uma tela de palm top de tão grande ganhou uma micose como arremate final. Deus criou o mundo em sete dias e o meu pé acho que foi a primeira coisa que ele fez, de tão feio e amador que ele é. Tudo por causa do salto voadora, para tirar a bola do Fred, ganhei o jogo, ganhei uma micose, não uma simples micose, uma micose que significa raça, recuperação, sorte e dor, muita dor.

Vamos ao que interessa. No dia 06 de abril desse ano eu iniciei meus trabalhos no Teatro do Pé. Isso mesmo, em plena Sexta-Feira Santa, vá gostar de teatro assim lá em Atenas. Mas enfim depois do que eu passei para ser aceito pelo grupo, não iria questionar.

A minha relação com o Pé começou em setembro de 2005, quando o diretor artí­stico Matheus Facconti solicitou que eu fosse Ghost Writer dele. Para quem não sabe Ghost Writer é o cara que escreve um texto para outro cara, que esse outro cara diz que é dele. Isso que eu estou fazendo é anti-ético, mas eu não me importo com isso, e quem se importa? Escrevi, e agora conto para o mundo todo. Ele ficou me devendo quatro parcelas mesmo.

Eu sou o autor do discurso de premiação do diretor Matheus Faconti para o Festa 2005, pelo espetáculo a “Argumas de Patativa”. (no fim desse texto eu reproduzi o texto que escrevi para Faconti na í­ntegra). Desde então eu e Faconti mantemos encontros secretos, pois ambos somos maçons dissidentes, para tomar decisões e traçar estratégias quanto aos rumos da atividade teatral como um todo na região da Costa da Mata Atlântica. Mas depois dessa minha confissão acho que ele não vai querer mais esses encontros.

Algumas coisas impediam que eu entrasse no Pé, mas as duas mais importantes são sérias divergências estéticas que acontecem entre mim e Facontti. Eu gosto de Kill Bill, de Tarantino e ele não gosta e ele gosta do Jack Bauer do seriado 24 Horas e eu detesto. Após passarmos dois anos discutindo somente isso em nossos encontros secretos ele decidiu me convidar para o Teatro do Pé.

A Seleção

Agora todos os fãs e interessados no Teatro do Pé irão saber como se faz para entra no grupo.

Cheguei ao primeiro dia de seleção e fui apresentado aos outros integrantes, que eu conhecia faz tempo. O Danilo nem estendeu a mão, a íris me deu um sorriso leve, a Juliana fez um Humpft, o Matheus Lopes nem foi, e o resto do pessoal me disseram que eu só iria conhecer se eu passasse pela seleção.

1º Jornada – Entrevista com o grupo.

Eu fui sabatinado por assuntos gerais e diversos, desde a influência do Ronnie Von no movimento tropicalista até as minhas considerações pessoais sobre o espetáculo “Argumas de Patativa”. Essa jornada foi beleza, passei com o pé nas costas.

2º Jornada – Leitura.

Foram me entregues dezesseis livros da linha de pesquisa atual do grupo. Dario Fo (tema do meu próximo texto), cultura popular e algumas outras coisas. Com um prazo de três dias. Aí­ o bicho já começou a pegar, só consegui ler 12 e na prova praticamente todas as perguntas eram sobre os quatro que eu não li. Mas bola para frente.Eu desconfio que o Danilo dedurou alguma coisa, pois um dia antes tomamos um porre ele sabia os que eu não tinha lido.

3º Jornada – Contar uma história.

Eles me deram cinco palavras-chaves para eu contar uma história; futebol, micose, tropicalista, cultura e mitônamo. Não consegui sair da gagueira inicial. Confesso que fiquei muito nervoso, pois esse dia a íris tinha ido de sandália e os dedos do pé dela eram tão cumpridos e esquisitos que eu comecei a desconfiar do porque do nome do grupo. Não passei nessa jornada também.

4º Jornada – Fazer um boneco em quinze minutos.

Eles não gostaram do boneco que eu fiz. Foi o primeiro dia que o Mateus Lopes apareceu e desfez a dúvida da Juliana que tinha desconfiado que eu e o Mateus Lopes éramos a mesma pessoa.

5º Jornada – Tocar rabeca, pandeiro,
berrante, chocalho, zabumba e pianinho de assoprar.

As coisas estavam ficando realmente complicadas. Eu já sentia um desânimo no olhar deles. Eu via que eles gostavam de mim. Mas eu não correspondia a expectativa deles.

6º Jornada – Falar Cearês

Eu já tava começando a entregar os pontos, era uma coisa mais difí­cil que a outra. Eu simplesmente não consegui.

7º Jornada – Organizar o espaço

Essa tarefa eu concluí­ com muita proeza, arrumei tudo direitinho, ficou lindo Mas depois descobrir que essa tarefa não tinha peso algum, era só um trote.

8º Jornada – Escrever um texto.

Já estávamos no 45º dia de testes. Eu me encontrava tão desolado, mas tão desolado que eu simplesmente não consegui escrever nada.

O clima pesou, estávamos todos entristecidos. Mas de repente surge o Olavo, o dramaturgo, esbaforido e com pressa.

– Pessoal desculpe interromper mas eu passei aqui só para a gente fazer a ciranda.

– Ciranda? – Perguntei eu.

– Sim nós temos uma ciranda de confraternização, mas só faz quem é do grupo e você… – Danilo respondeu cabisbaixo, até ser interrompido por uma voz que eu não tinha ouvido antes.

– Deixe ele fazer a Ciranda – era um ancião que surgiu detrás das cortinas e que depois fiquei sabendo que era o Cabo Anselmo redimido.

Ouve um iní­cio de rebuliço, alguns questionaram que só faz a ciranda quem passa pelas oito jornadas.

Eis que o ancião respondeu – Está na hora de todos conhecerem a 9º jornada.

– Nona jornada? – todos se perguntavam.

– Antes de formarem a roda fiquem todos descalços – impôs o ancião.

Todos tiraram os seus sapatos, sandálias e chinelos e antes que eu pudesse fazer uma piada de como só tinha Pé feio ali. Todos disseram ao mesmo tempo: – É ele. – É ele. – O ESCOLHIDO.

Todos fizeram uma roda em minha volta e me veneraram como um Santo. Tudo por quê eu tenho a micose no dedão do PÉ esquerdo. Fui aceito no grupo e hoje sou uma espécie de guru espiritual do Teatro do Pé. E o melhor de tudo isso é que eu não vou precisar fazer trabalho de corpo.

FIM

Daniel Lopes 05/2007

Texto na Integra da Premiação Festa 2005.

Prêmio: Melhor Diretor

Espetáculo: Argumas de Patativa

Diretor: Mateus Faconti.

Ghost Writer: Daniel Lopes

– Grato!

FIM





“WILLLLSON! I CAN´T!!!!”… “WILSON, I´M SORRY, WILSON!” – grita o excelente ator para uma surrada bola de vôlei que ia se afastando, tragada pela maré e pela correnteza.

Poucos profissionais da arte de representar foram abençoados com a graça de fazer uma cena daquelas e não escorregar da linha tênue que separa, nesses casos, o emocionante, do piegas. O trágico, do banal inverossí­mil.

Chuck (o nome do personagem do grande Tom Hanks) e seu amigo-bola Wilson são, inclusive, os responsáveis pela melhor piada (das poucas) do filme, e que deveria ser explicada ao público com uma nota legendada na longa pausa que se segue ao comentário.

Chuck decide-se por, finalmente, arrancar o dente infeccionado. Na caverna (-e podem lembrar de Platão), antes de realizar o procedimento, ele diz para Wilson, com alta carga de ironia, que o dentista dele (Chuck), em Memphis, chamava-se “Spalding. Dr. Spalding” e ri.

A qualidade da piada reside no fato de que Spalding (erroneamente grafado na legenda como “Spaulding”) é o nome do fabricante de bolas e maior concorrente da Wilson. As bolas de basquete Spalding são lendárias.

Numa das cenas finais, enquanto o protagonista dirige seu Jeep por uma empoeirada estrada vicinal ao som de Elvis Presley (“Return to Sender”), podemos ver, no banco do passageiro, uma Wilson novinha em folha seguindo o destino com seu camarada Chuck.

Creio que a metáfora da emocionante cena do filme resuma uma boa parte da existência humana e nossa “missão” de vida: nascemos para salvar; para criar; erigir; alimentar; acolher; trabalhar; amar. Para não termos receio de, eventualmente, sermos patéticos, ridí­culos, de “pagarmos o mico”, como dizem -e quem já se apaixonou ou tem filhos pequenos sabe muito bem o que é isso.

Sei que chovo no molhado, mas nunca é demais repetir que essa magní­fica obra da evolução, nós, seres humanos, certamente não temos entre nossas qualificações maiores e melhores o assassí­nio, o genocí­dio, o extermí­nio, a tortura, o golpismo, o preconceito, a intolerância, a malandragem, a ladroagem, a corrupção e, com seu perdão para o termo chulo, toda essa “escrotidão” perpetrada por determinados representantes da raça humana (-a única que existe, pois o resto é etnia).

Sempre me pego repetindo que Cora Coralina e Freud, cada qual à sua maneira, diziam que fora o amor e o trabalho, não existe nada mais de importante na vida.
Pena que a sociedade em que vivemos -ou melhor, o sistema que a rege- dê valor às coisas sem valor verdadeiro. A sociedade de consumo é uma armadilha para aprisionar idiotas.

Se tal sistema fosse bom, os Estados Unidos da América não consumiriam “metade dos calmantes, ansiolí­ticos e demais drogas quí­micas que são vendidas legalmente no mundo; e mais da metade das drogas proibidas que são vendidas ilegalmente, o que não é uma coisinha à-toa quando se leva em conta que os EUA contam com apenas cinco por cento da população mundial”, como diz o genial Eduardo Galeano, no texto “O Império do Consumo”.

Um sistema que degrada fauna, flora, mares, oceanos, o ar que respiramos, o alimento que comemos, populações, paí­ses, culturas e o globo em função de algo tão fugidio quanto riqueza e lucro.

Como o bom e velho náufrago (-e, depois de Platão, é também impossí­vel deixar de pensar num Robinson Crusoe neo-terceiro milênio), tenho certeza que de vocês têm consciência de que a missão verdadeiramente importante (-a “contradição principal”, como dizia o velho Karl) da aventura humana seja não ter medo de não se levar muito a sério, no sentido de, mesmo sabedores de nossa supremacia sobre as demais espécies terrenas e de nossa importância, termos clareza de nossa insignificância perante a vastidão do universo e a inclemência da natureza -que, erroneamente, alguns pensam ludibriar.

E, inclusive por essa noção de nossa insignificância, não termos medo de “pagarmos alguns micos”, mas sempre tendo claro que não há existência futura possí­vel se não travarmos -como Chuck aprendeu- um diálogo permanente e “simbiótico” com a natureza e nosso planeta.

Mas essa insignificância não deve em momento algum ser traduzida como inoperância ou resignação.

Viajamos numa espaçonave delicada, violentada a cada segundo, que deverá tornar-se pó em pouco mais de um bilhão de anos -tempo que poderá diminuir se não fizermos algo muito depressa.

Tudo o que construí­mos neste intervalo, desde quando nos arrastamos para fora do mar e iniciamos nossa jornada darwiniana, se dissolverá num imenso clarão com a força de zilhões de megatons. Do pó-big-bang viemos, ao pó-super-nova (-talvez buraco-negro) voltaremos.

E por falar em Darwin, o nosso herói Chuck não saiu do mar para iniciar uma nova etapa de sua vida/evolução?

As edificações ficarão até o bilionésimo de segundo final, mas devemos estar preparados para irmos, aos poucos, abandonando nossa espaçonave e partirmos para outros mundos, galáxias e sistemas solares levando tudo o que de bom e importante criamos: nossa cultura, herança de uma espécie. E torçamos para que tudo o que não presta fique e arda nas chamas do inferno nuclear que advirá.

Consta do Diário do Capitão: “Audaciosamente indo, onde nenhum homem jamais esteve”.

Para darmos uma chance às nossas herdeiras e herdeiros, precisamos ganhar o maior tempo possí­vel.
Precisamos tratar bem dessa espaçonave que ora nos abriga.
Afinal, nascemos para salvar uma bola, mas seu nome não é Wilson: é Gaia, a mãe de tudo, o planeta Terra.

Referências:
01) O filme “O Náufrago” na Wikipédia
02) Site oficial: http://www.castawaymovie.com/





Acredito que o teatro e a dança são as únicas formas de arte que têm todos os seus repertórios (histórico e mundial) avaliados por uma única apresentação, a primeira. Eu sempre tomo o máximo de cuidado ao convidar para um espetáculo, pessoas que quase nunca vão ao teatro e um cuidado ainda maior ao convidar os que nunca assistiram uma peça (e olhe que são a grande maioria). Isto porque o teatro só tem uma chance.

Eu nunca vi uma pessoa que, após ouvir uma canção que não seja do seu agrado, decrete que não gosta de música; ou alguém, após uma sessão mal sucedida de cinema decidir que nunca mais assistirá um filme. Mesmo as artes plásticas, quem vê um quadro que não goste e diz que quer distância de pintura? Mas com o teatro é exatamente isso que acontece.

Em primeiro lugar, a maioria das pessoas não gosta (ou gosta) de teatro sem nunca ter presenciado um espetáculo teatral. Muitos julgam o teatro pelo programa “Sai de Baixo” que graças a Deus parou de ser transmitido pela rede Globo.

Por quê? O que tem o teatro de tão diferente de outras formas de expressão artí­stica, que impede as pessoas de se permitirem definir um gosto pessoal? Que as impede de gostar de monólogos expressionistas ou de esquetes ligeiros ou de circo-teatro e não gostar de comédias populares ou de espetáculos de Butô? O teatro é uma arte que possui tanta ou mais variedade estilí­stica do que qualquer outra, então por quê o público ao ver uma peça monótona, espalha aos quatro cantos que o TEATRO é chato; ou ao ver uma peça divertida anuncia que TEATRO é “muito engraçado”. Por quê?

Eu sempre desconfiei que muita gente quando pensa em ir ao teatro, sente a mesma preguiça enfadonha que lhes acarretaria uma ida à biblioteca ou um passeio ao museu (o que pra mim sempre soou estimulante).

Têm-se a imagem do teatro como uma manifestação artí­stica antiga, não atualizada, como se todos os teatros do mundo só apresentassem Shakespeare ou tragédias gregas em montagens da Comédie Française (super tradicionais e engessadas); ou quando muito, a imagem do teatro da vanguarda brasileira dos anos 70, cheio de atores nus, gritando e se contorcendo, cuspindo e defecando no palco.

Eu compreendo alguns dos motivos que levam a esse analfabetismo teatral. O que me é difí­cil entender é por que as pessoas quando vão ao teatro pela primeira vez, junto com o seu primeiro ingresso, estão comprando a sua definitiva e imutável opinião sobre essa forma de arte? Opinião esta que servirá de argumento para nunca dar mais uma oportunidade ao contato com uma das mais vivas, intensas e marcantes experiências de comunicação humana.

Público (ou futuro público) se dêem mais uma chance!

Mateus Faconti





Vejam só que interessante. Para escrever a história do Teatro do Pé neste blog, estou relendo as atas que eu costumava escrever após cada ensaio do grupo. Na época, eu não considerava que isso fosse uma tarefa tão importante e, particularmente, achava um pouco chato fazer diversas anotações durante o ensaio, além de ter que rememorar detalhes e compilar as idéias no momento de escrever o texto.

A sugestão das atas foi do Mateus Faconti e aprovamos a idéia por consenso. A tarefa coubera a mim, pois havia assumido as funções da secretaria do grupo. Nesse momento, estou me sentindo muito feliz por ter executado essa tarefa, mesmo que imperfeitamente. Agora eu vejo que muitos detalhes do que escreverei aqui no Blog do Pé, sobre a história do grupo, teriam se perdido no tempo, e caí­do no esquecimento, não fossem essas atas.

Infelizmente, não persisti nessa tarefa ao longo de toda a nossa história. Tenho em torno de 40 atas, todas de ensaios que ocorreram durante os primeiros meses de nossa caminhada. Tem bastante material registrado, mas o grupo viveu muito mais do que tenho escrito. No entanto, isso não impedirá que façamos um resgate de nossa história, que também está bem registrada em jornais, fotografias, ví­deos e, principalmente, em nossa memória.

Apesar da memória, muitas vezes, perder a riqueza de detalhes, ela conserva com grande vivacidade o tronco das experiências. E a partir desse tronco, reconstruiremos e registraremos aqui os passos de nosso Pé de arte.

E é claro que, daqui para a frente, com esse blog, nosso caminho estará sempre marcado por nossas pegadas.





Na primeira reunião após o nascimento do Teatro do Pé, conversamos sobre as expectativas e os objetivos individuais de cada integrante em relação ao desenvolvimento, os projetos e o direcionamento esperado para os trabalhos do grupo. Obviamente, partindo do cruzamento desses objetivos individuais, encontramos o denominador comum almejado por todos os integrantes, e traçamos então o modelo e a filosofia de trabalho coletivo que seguiríamos.

Da filosofia de trabalho, concluímos assim:

“Cada integrante terá a total responsabilidade de trabalhar em qualquer atividade necessária para o progresso do coletivo. Dentre essas atividades, caberá a cada um estudar, ler, pesquisar, reunir material, executar e propor idéias e atividades enriquecedoras para os processos do grupo. Ter freqüência e pontualidade absoluta em todos os encontros. Trabalhar com dedicação e disciplina. A palavra do diretor será a autoridade máxima dentro de qualquer atividade cênica e deverá ser respeitada com tal. Nas questões que dizem respeito ao grupo, não haverá hierarquia ou autoridade superior, sendo que todos deverão se posicionar e votar democraticamente a respeito dos rumos do próprio grupo que fundaram.”

Quanto aos primeiros trabalhos e pesquisas, concluímos que deveríamos coletar e estudar todo o material que pudéssemos sobre o universo popular nordestino e outros conteúdos relacionados. Pra satisfazer os mais curiosos, começamos os estudos assistindo e analisando o filme “Auto da Compadecida” da Globo Produções, e começamos a reunir um pequeno catálogo de expressões populares nordestinas, além de uma relação de estruturas de personagens comuns a esse universo.

Quanto às atividades práticas, decidimos que, durante um período indeterminado, seria reservada uma parcela de cada reunião/ensaio para a execução de atividades de reconhecimento, integração e entrosamento do integrantes do grupo, tal como brincadeiras e jogos cênicos diversos.

Nós nos divertíamos pra valer com essas brincadeiras.
Como é gostoso o brinquedo teatral!





Caros amigos,

Nosso Pé continua no caminho, e após aproximadamente um ano e meio da estréia do espetáculo “Argumas de Patativa”, o grupo entrou, em janeiro de 2007, no processo de criação do nosso novo trabalho: “O Causo da Onça” – uma adaptação da “História da Tigresa” de Dario Fo, encomendada ao nosso competente dramaturgo Olavo Dadá O´Garon.

A adaptação, que muito nos agradou, já estava escrita há mais de um ano e consiste não só da tradução da peça para o cearês mas da criação de uma outra obra, intimamente relacionada à cultura popular brasileira, cheia de novas situações, piadas, e abordando temas que dizem respeito à realidade de nosso paí­s. O resultado é divertidí­ssimo e, mais uma vez, nos mostrou o grande talento do Olavo.

A pesquisa que estamos realizando para a construção do espetáculo- um monólogo aos moldes darifozianos, a ser representado pelo ator Danilo Nunes ““ iniciou com o estudo sobre o dramaturgo (o primeiro- Fo, não o Olavo) e suas técnicas (cheias de vozes e gestos) de “contar histórias”. Para tal, estamos trabalhando com exercí­cios práticos, treinando gramelot, ritmo, precisão gestual, mí­mica, etc… Lemos os únicos livros em português que conseguimos encontrar sobre as técnicas do grande mestre italiano: “Manual Mí­nimo do Ator”, do próprio, e “A Cena de Dario Fo: O Exercí­cio da Imaginação” de Neyde Veneziano além de outras peças de Dario Fo. Também assistimos várias horas de ví­deos (muita coisa pode ser baixada na internet pelo e-mule) do homem dando entrevistas, cursos, palestras e, o que é mais importante, representando seus textos. O objetivo deste primeiro momento da pesquisa é entender o arsenal técnico de Dario Fo, além de estudar o seu posicionamento polí­tico, estético e humano( a serviço de quê está o seu teatro?).

Juntamente com esta pesquisa estamos trabalhando na construção do personagem-narrador, que é uma espécie de Zanni nacional, o que nos leva a segunda parte da pesquisa que iniciaremos esta semana.
Sinceramente não nos interessa, pura e simplesmente montar um espetáculo aos moldes de Dario Fo, por mais bem executado que possa vir a ser. O que buscamos é absorver seus preceitos e técnicas e colocá-los a serviço de uma estética nossa, que passa pela cultura popular brasileira, mas também não se encerra nela.

Nessa nossa segunda fase de estudos queremos encontrar, dentro do universo da cultura popular nordestina, quais as funções sociais que correspondem a dos jograis europeus da idade média e a dos fabulatori da região lacustre da Itália (personagens que inspiraram Dario na criação de sua técnica de racconto) . Mesmo com a pesquisa em seu iní­cio, já temos algumas pistas sobre a relação do brincante com o jogral e a do contador de causo com o fabulatori.

Nesse estudo, vem sendo de grande ajuda os livros: “O Conto Popular e a Comunidade Narrativa” e antologia “Contos Populares Brasileiros – Ceará” de Francisco Assis de Souza Lima, que nos foram presenteados pelo próprio autor, que, além destes, nos deu mais 3 livros de sua autoria, além de 5 cd´s com trilhas sonoras de Antônio Madureira (ex- Quinteto Armorial) para peças que ele escreveu em parceria com Ronaldo Correia Brito. Somos Gratos Assis!
Durante o processo irei postando mais notí­cias sobre nossos avanços e dificuldades em contar esse “Causo”.

Mateus Faconti